História das estrelinhas
Max – um grande cachorro
Um motivo para o nome
O primeiro cachorro que chamou a minha atenção e me fez pensar: “ah, eu queria um desses”, chamava-se Max. Eu tinha uns 12 anos e ele era nada menos do que o cachorro da mulher biônica, uma série de TV do final dos anos de 1970.
O Max do seriado, um pastor alemão, tinha a mandíbula biônica, só não me recordo se as patas também. Ele era muito forte e rápido, tanto que colocava medo nas pessoas. Mas o que eu mais gostava era que, apesar da força, do poder, ele era extremamente gentil com sua dona.
O “meu” Max também era um pastor alemão, legítimo, capa preta, como não se encontra mais nos dias de hoje, segundo a veterinária. Um pastor gigante, nos seus mais de 50 quilos.
O resgate
Nossa história começou numa tarde de agosto de 2017, quando uma vizinha dona de uma loja na esquina do meu local de trabalho me chamou:
– Jacque, você precisa vir ver o cachorro que apareceu aqui, disse ela pelo whatsapp.
Chegando ao local, ele estava de costas e até assustei com o seu tamanho. Enorme, porém muito magro e abatido, sem o rabo. Ela me pediu que ficasse de olho nele enquanto ia buscar o resto do almoço de seu neto para que ele comesse.
Acontece que o cachorro começou a subir a rua em direção à avenida, com passos lentos e decididos. Fui seguindo e pedindo que voltasse, mas ele não deu a mínima para o que eu falava. Seguiu andando. E eu atrás.
Qual não foi o meu susto quando vi o cachorro atravessando a avenida e os carros e ônibus vindo à toda velocidade. Quase fui atropelada, mas fiz todo mundo parar para ele atravessar.
Percebi que havia um cachorro numa loja da avenida, então perguntei se tinham uma coleira para me emprestar. Trouxeram uma velha, bem puída e uma corrente fininha. Fui correndo atrás do cachorro, que a essa altura já estava bem lá na frente. Cheguei perto e disse:
– Pare!!!
Ele se virou para mim e ficou me olhando. Passei a coleira em volta de seu pescoço, prendi a corrente e disse:
– Chega, agora você vem comigo!
Surpreendentemente, ele obedeceu. Fizemos todo o trajeto de volta até a loja e ele então comeu o resto da comida do menino. Estava faminto, mastigou um osso de frango como a gente mastiga pão.
Uma curta estadia
Tive que deixá-lo um tempo na casa da vizinha até conseguir autorização para abrigá-lo na edícula da firma, que, na ocasião estava para alugar.
Quando fui buscá-lo, já no início da noite, ele estava muito bravo, na garagem da vizinha e até tentou morder a mão dela.
Levei-o então para a edícula, ouvindo a seguinte frase:
– Você tem três dias para tirar esse cachorro daqui.
De fato, foram três dias que fiquei com ele lá, até que um colega dono de um abrigo de animais veio buscá-lo, a meu pedido.
Foi durante esses três dias que pude observá-lo bem, até o levei para passear, quando escolhi o nome Max para ele. Estava com uma enorme falha na pelagem das costas e a orelha direita totalmente abaixada. Eu chegava perto dele com todo cuidado e respeito, levava comida e água e ele não parecia disposto a me atacar.
Ida ao Abrigo
Foram poucos dias que ele ficou no abrigo. Fui visitá-lo com a mesma pessoa havia me dado os três dias para me livrar do cachorro.
Ele estava isolado numa baia, do mesmo jeito que chegou. O pessoal do abrigo tinha medo de chegar perto dele. Apenas uma funcionária entrava para colocar água e comida. Banho só foi dado um e com o auxílio de uma vassoura.
Eu entrei na baia e parecia que nenhum dia havia se passado. Não tive medo dele e nem ele de mim. Quando saí, me deparei com os olhares atônitos do pessoal do abrigo, querendo saber se eu ainda estava viva e inteira.
Já quando estava indo embora, ouvi a frase:
– Manda trazer esse cachorro de volta ou ele vai morrer aí.
Ótimo, não perdi tempo e já logo pedi para o dono do abrigo trazê-lo de volta.
Nunca pude esquecer daquele olharzinho de alívio quando desceu do carro e percebeu que estava de volta ao local que o acolheu.
Volta do Abrigo
De volta à edícula, decidi primeiramente cuidar de sua saúde e depois colocá-lo para adoção. Vi que o ouvido direito estava muito infeccionado, por isso abaixava a orelha.
Fomos então à uma clínica, onde a veterinária estimou que ele tivesse já uns 11 ou 12 anos. Ela fez uma limpeza no ouvido, colocando um colar e uma focinheira “meio que no susto” e prescreveu um tratamento, no qual todos os dias eu teria que limpar o ouvido e pingar um remédio. Os exames de sangue não mostraram alterações.
Nesse período, eu consegui até dar um banho, de tão íntima que já estava ficando. Minha tentativa de fazer com que ele tomasse banho na petshop havia sido frustrada. Levei-o com uma focinheira de plástico, mas ele a destruiu completamente. Todos os que estavam na sala de banho saíram e me deixaram só com ele e com uma nova focinheira a ser colocada. Depois disso, a banhista se recusou a dar o banho. Eu continuei com os banhos, a pelagem das costas começou a crescer, o Max engordou, mas o ouvido continuou ruim, ele não deixava chegar perto.
Em casa até a adoção
Neste meio tempo, a edícula foi visitada pelo corretor de imóveis e por pessoas interessadas no aluguel. Não dava mais para manter o Max ali. Foi quando eu o levei para casa. Meus outros dois cachorros ficaram com o interior da casa e com a garagem e o Max com o quintal e lavanderia. Não pude deixá-los juntos, pois a diferença de tamanho era muito grande.
Passei cerca de um mês colocando petisco dentro da focinheira, sem fechá-la, até que ele se acostumasse com ela. Até então, só de ver uma focinheira ele já ameaçava atacar. Até que um dia, fechei a focinheira e finalmente consegui limpar o ouvido e pingar o remédio. E assim foi nos trinta dias subsequentes, até o ouvido ficar bom de vez.
Nesta época, eu já vinha conversando com pessoas interessadas em adotar o Max, mas a maioria queria para cão de guarda. O único que não foi um rapaz que chegou a visitá-lo, deu uma volta com ele no quarteirão e desistiu na primeira rosnada.
Procurei também saber de onde ele teria vindo, se alguém não o estaria procurando. Então descobri que ele ficou um tempo numa fábrica aqui do bairro, mas o dono alegou que também lá ele apareceu, vindo de algum lugar. E depois fugiu.
O passado do Max era uma incógnita. Tudo indica que tenha sido cão de guarda e “descartado” quando ficou velho. Sempre digo que veio viver a aposentadoria comigo. Não poderia permitir que alguém o fizesse trabalhar de novo.
O Max não estava castrado e eu não iria doá-lo sem antes providenciar essa cirurgia, pois, além de se mostrar bastante agressivo, poderiam querer utilizá-lo para cruzamento. Não considero isso adequado em um tempo e um local onde existem muitos cachorros abandonados, sem um lar.
Cuidados e Castração
Um dia, notei que o Max não estava conseguindo urinar nem defecar. Levei-o rapidamente na veterinária, que solicitou uma ultrassonografia emergencial. O resultado: a próstata estava aumentada e bloqueando a bexiga, além de interferir no funcionamento do intestino. A solução foi tratar com medicamentos e fazer a castração o mais rápido possível.
O dia da ultrassonografia foi uma aventura. Novamente o Max tirou a focinheira na sala de exame e então colocou todos para correr. Fiquei fechada com ele sozinha na sala, até conseguir colocar a focinheira.
Já na sala de espera no dia da castração, coloquei duas focinheiras, uma sobre a outra. Ele não conseguiu tirar, mas queria avançar em todos que passavam perto, deixando o pessoal da clínica bem assustado.
Finalmente meu “grandão”, como assim me referia a ele, ficou bastante saudável. Já tinha alguma dificuldade com as patas traseiras, devido ao peso, à idade e características da raça. Mas, tomando medicamentos para reforço das articulações, continuou andando, brincando e pulando.
Em casa definitivamente
Foi interessante observar um cachorro já idoso que adorava brincar de bola. Depois da castração, grande parte da agressividade foi embora também.
Nem preciso dizer que desisti de doá-lo, né? Fui desistindo um pouco a cada dia. Pensar na hipótese de não tê-lo mais comigo me fez chorar por meses. Uns 8 meses, para ser mais exata. Até o dia que decidi e falei em voz alta:
– Esse cachorro vai ficar comigo até o fim da vida dele, ou da minha, o que vier primeiro.
Depois disso, posso dizer que três anos se passaram, sem que problemas de saúde ou qualquer outra coisa atrapalhasse nossa vida. Exceto pelo problema crônico do ouvido que aparecia a cada 3 ou 4 meses. Mas aí eu já nem precisava mais de focinheira. O Max até levantava a cabeça e oferecia o ouvido para ser limpo e receber o remédio. Deitava no meu colo, virava de barriga para cima e fazia gracinhas.
Um grande cachorro, dócil e companheiro.
Todos os dias eu ficava com ele enquanto comia a ração à noite. Nem de longe lembrava aquele cão faminto que a primeira vez que levei um prato de fígado, nos dias de edícula, arrancou o prato da minha mão com os dentes, colocou no chão e comeu o fígado em cinco segundos. Enrolava para comer, assim, eu ficava mais tempo com ele. Espertinho, né?
Parando de andar
Um dia, notei que o Max estava com a barriga toda molhada. Vi nos dias que se seguiram que ele estava com dificuldades para levantar e que vinha fazendo xixi deitado mesmo. Por isso a barriga molhada. Daí
levei-o para consulta e a veterinária pediu ultrassom da coluna e vários outros exames.
Os exames mostraram que a saúde dele estava boa em geral, mas o ultrassom da coluna evidenciou um problema crítico. A veterinária me alertou que a coluna estava por um triz, que qualquer movimento mais brusco o faria parar de andar.
E foi exatamente o que aconteceu 15 dias depois. Ele caiu e não conseguiu mais levantar.
Eu coloquei lençol e toalha na barriga, suspendi, por alguns dias tentei fazê-lo andar. Mas aí não deu mais mesmo. Ele já estava até com uma escara na coxa.
Ele conseguia mexer as patas da frente, mas não o suficiente para se arrastar. A coluna estava numa situação muito crítica. Ele não tinha perdido a sensibilidade, então ainda conseguia sentir as patas traseiras, mas a dor teve que ser controlada com remédios bem fortes.
Não era possível fazer cadeira de rodas para que ele continuasse andando, pois ele não suportava que a parte traseira toda fosse manuseada.
Acamado
Comecei então a cuidar dele acamado. Coloquei colchonetes com colchas e toalhas e virava o lado em que ele estava de três a quatro vezes por dia.
A água não podia deixar à vontade, porque ele batia a pata e virava. Tinha que oferecer várias vezes ao dia.
Durante esse tempo, que durou quase um ano e meio, apesar de viver acamado, eu percebia um semblante tranquilo nele. Acredito que os remédios, aliados à acupuntura, fisioterapia e moxaterapia que fizemos provocaram esse resultado.
Ele comia bem, fazia as necessidades fisiológicas regularmente e a ferida da coxa chegou a fechar.
Às vezes ele queria alguma coisa de madrugada. E não hesitava em pedir. Como ele ficava na lavanderia, que fica na parte de baixo da minha casa, eu precisava sair do meu quarto e descer as escadas. Lembro-me sempre de descer as escadas decifrando o que aquele latido queria dizer. Com o tempo aprendi a diferenciar cada tipo:
- Quero água
- Me vira aqui que estou desconfortável
- Vem me limpar que eu fiz sujeira
- Vem me fazer companhia
Fosse o que fosse o que ele quisesse, às três ou quatro da manhã, uma coisa era certa: eu não poderia subir e voltar para a cama. Iria ver o sol nascer com ele.
Mais de um ano se passou até que uma nova ferida se abrisse do outro lado. E antiga ferida voltou a abrir. O Max já estava dando sinais de estar se despedindo desta vida.
O céu ganha mais uma estrela
E foi assim, no dia 9 de junho de 2022 ele partiu. Viveu quase cinco anos depois do dia que o encontrei. Supondo que ele tivesse entre 11 e 12 anos quando foi encontrado, podemos dizer que ele viveu até 16 ou 17 anos, o que vai muito além da média para um pastor alemão.
Hoje sei que não foi por acaso que esse anjo veio parar na minha vida. Por ele, eu adiei planos e sonhos, sem o menor ressentimento. Aprendi a dar a prioridade certa na minha vida. Por ele, me tornei uma pessoa mais responsável, organizada e comprometida.
É incrível o que um amor incondicional pode fazer.
No momento em que escrevo esse post para o blog, a saudade ainda é bastante dolorida. São menos de quatro meses de sua partida.
Estive com ele até o último momento, vi sua respiração parar e seu coração não mais bater. Não sei para onde ele foi, onde está agora. Não sei se existe um céu para os cachorros.
Só uma coisa eu sei: aqui dentro ele vai viver até o final da minha vida. Quem sabe depois?
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