Contos
O Menino e o Cachorro
Era mais uma manhã de um dia comum de trabalho, bem no meio da semana.
Sandra saiu do banho, esperando encontrar o filho Carlinhos já tomando seu café da manhã, como de costume, mas lá estava o leite esfriando à mesa, o pão intocado.
De roupão e toalha na cabeça, Sandra vai até o quarto e reclama:
– Filho, você ainda não levantou? A perua da escola já já chega!
– Mãe, eu não vou pra escola hoje
– Como assim? Por que?
– Minha cabeça dói muito
Ela sentou ao lado da cama do menino, colocou a mão em sua testa e viu que febre ele não tinha. Nas últimas três semanas, esta já era a quarta vez que Carlinhos se recusava a ir para a escola, alegando dor de cabeça.
– Carlinhos, levanta agora, toma seu café rapidinho e coloca o uniforme. Pode tomar banho quando voltar. A perua não pode esperar e agora chega de perder aula!
E foi o que ele fez. Carlinhos não era de desobedecer sua mãe. Com seus doze anos de vida, era um menino tímido, usava óculos com lentes grossas, para que pudesse enxergar com 7 graus de miopia.
Na escola, havia uma turminha de garotos que insistia em humilhá-lo, todas as vezes na hora do recreio. Carlinhos passava sozinho pelos corredores e pátio, sempre de cabeça baixa. Os comentários eram assim:
– E aí, quatro olhos?
– Ô fundo de garrafa
– Bobão
– Trouxa dos “zoião”, vou quebrar esta tua cara
Aquelas palavras deixavam Carlinhos travado. Ao invés de responder alguma coisa, ou de seguir andando, ele ficava parado, de cabeça baixa por alguns instantes, como se achasse que merecia aquilo e que deveria parar para ouvir. Os comentários eram sempre seguidos de gargalhadas de deboche, às vezes um empurrão e até chutes. Nada que chegasse a feri-lo fisicamente, mas que o deixava cada vez mais tímido e inseguro.
Sandra era uma mulher guerreira. Muito dedicada, trabalhava como diarista em casa de famílias de classe média alta. Tinha todos os dias tomados, quase sem folga, com o intuito de pagar a escola particular para o filho.
O pai de Carlinhos nunca soubera de sua existência. Era o filho de um alto executivo, dono de uma das casas onde Sandra havia trabalhado como empregada doméstica. Quando Sandra soube de sua gravidez, o rapaz já tinha sido mandado pelo pai ao exterior para estudar. Ela nem sabia se ele havia um dia retornado ao Brasil, pois a mãe dele tratou de demitir Sandra assim que a barriga começou a aparecer, por volta do terceiro mês.
Sandra não quis atrapalhar a vida e a carreira do filho dos patrões, um rapaz extremamente inteligente e sensível, com um futuro brilhante. Foi então morar na casinha dos fundos de uma velha tia, uma edícula na verdade, onde o filho nasceu.
Desde muito cedo, Carlinhos teve que aprender a se virar sozinho. Ajudava a mãe na limpeza da casa e sabia até fazer comida, já que a mãe passava o dia inteiro fora trabalhando.
Sandra por muitas vezes se aconselhava com a bondosa tia, sobre a educação de Carlinhos.
– Tia, a senhora percebeu que o Carlinhos anda faltando na escola?
– Ah, minha filha, percebi sim, a perua parada aí em frente esperando e você dizendo que ele não ia. O que está acontecendo?
– Não sei, tia, o Carlinhos fala tão pouco, ele nem tem amiguinhos. Sei que meu filho é inteligente e especial. Puxou mais ao pai do que a mim. Mas não sei porque ele não quer ir à escola. Pergunto, pergunto e ele não responde.
– Filha, o Carlinhos já é um rapazinho. Eu brincava com ele quando era pequeno, mas agora estou velha e cansada, mal consigo fazer as coisas aqui em casa. Não sirvo como companhia para um menino dessa idade.
– Não sei o que fazer, tia, sinceramente
– Sandra, vê se o Carlinhos quer um cachorro. Pode ser uma boa companhia pra ele. Semana que vem vai ter feirinha de adoção no estacionamento do supermercado ali da esquina.
– Humm, vou falar com ele!
Carlinhos nunca tivera contato com cachorros. Somente gostava dos filmes que via na televisão. “Sempre ao seu lado”, “Marley e eu”, “Bethoven”. Ele sabia que o cachorrinho ficaria sob seus cuidados, que sua mãe iria arcar com a ração e o veterinário, mas, no dia a dia era ele quem cuidaria do pequeno amigo. E topou!
Sandra e Carlinhos voltaram para casa naquela tarde de sábado, levando pela guia um lindo vira-latinha de cerca de 3 anos de idade.
Buddy, o novo nome que Carlinhos dera a ele, era um cachorro sem raça definida, porte médio, pretinho, pelagem curta. Uma parte do peito era branca, sem forma definida, lembrando um tapetinho. Os olhos grandes e redondos expressavam uma imensa alegria de viver, de saber que tinha sido adotado, após longos períodos de sofrimento, fome e perigos vividos nas ruas.
Embora Sandra tivesse comprado uma casinha para que Buddy dormisse no pequeno quintal da casa, o cãozinho não deixava de seguir Carlinhos por onde ele estivesse. Quando Carlinhos ia tomar banho, Buddy ficava na porta esperando, como se fosse seu segurança particular. Quando Carlinhos estava fazendo a lição de casa, Buddy deitava no chão aos pés do menino.
A casa tinha somente três cômodos: cozinha, banheiro e um quarto, com duas camas, uma de Sandra e outra de Carlinhos. Com a chegada de Buddy, uma terceira cama, própria para cães, foi colocada entre as duas.
Quando Carlinhos chegava da escola, já no começo da tarde, Buddy pulava nele, abanava o rabinho, latia por cinco minutos seguidos, celebrando a chegada do amigo e companheiro, a pessoa mais importante de sua vida.
Buddy olhava para Carlinhos e parecia que sorria com os olhos. Impossível ficar indiferente à tanta alegria, o menino foi se contagiando cada vez mais pela energia positiva do amigo. Todos os dias passeavam juntos, na rua de casa mesmo, Buddy com guia e coleira. No começo, queria correr, puxava tanto que quase derrubava Carlinhos. Mas depois foi se acostumando e os dois já caminhavam lado a lado.
Carlinhos foi perdendo a mania de andar cabisbaixo. Seu andar agora era confiante, com a cabeça erguida e um sorriso combinando com a expressão alegre do cãozinho companheiro. Os vizinhos passaram a cumprimentar Carlinhos, às vezes puxando assunto e tecendo elogios à sua dedicação e cuidados com Buddy.
Carlinhos conversava com Buddy. Um dia, em um desabafo nunca antes feito, ele se abriu e contou ao cãozinho sobre a turminha da escola que o aterrorizava. Buddy virava a cabecinha de um lado para o outro, olhando fixamente nos olhos de Carlinhos, como quem estivesse ali para ouvir tudo atentamente e prestar apoio.
Após alguns meses da adoção de Buddy, Carlinhos já circulava pelos corredores e pátio da escola com o queixo erguido. Nem parava mais para ouvir as ofensas dos malvados colegas que, aos poucos, foram parando de perturbá-lo.
Fotos de Buddy ocupavam as capas dos cadernos e a mochila de Carlinhos, o que chamava a atenção, principalmente das meninas, além dos meninos bem educados. Assim, Carlinhos tornou-se popular na escola, sua auto-confiança era indiscutível e todos o procuravam para bater papo e pedir conselhos.
E foi assim que Carlinhos teve sua vida modificada por um cachorrinho preto sem raça definida.
Este é um conto de ficção baseado em fatos reais.
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